A Memória de Nelson Motta – como um jogo.

http://oglobo.globo.com/opiniao/o-jogo-da-memoria-14487991 ( use este link para ver a reportagem)Nelson Motta

07/11/2014 0:00
O jogo da memória

Sempre detestei nostalgia: nada envelhece mais do que ficar lembrando um passado sempre melhor que o presente

Outro dia li em algum lugar, não me lembro onde, que a principal função da memória não é registrar, mas esquecer. Se não fosse assim seria impossível organizar o pensamento, seríamos afogados por um fluxo caótico e incessante de boas, más e inúteis lembranças. É como se os dados das nossas memórias ficassem hospedados em uma nuvem de olvido e fossem ativados quando solicitados, com razoável controle sobre o que se quer lembrar e o que esquecer.

Mas por que mesmo estou falando nisso?

Quando você faz 70 anos é obrigado a olhar para trás, o que é mais difícil para quem sempre detestou nostalgia, achando que nada envelhece mais do que ficar lembrando de um passado que parece sempre melhor que o presente. É meio paradoxal porque há cinquenta anos vivo, profissionalmente, de minhas memórias — embora tenha sempre procurado o novo, para ver, ouvir e contar, para aprender e fazer.

E para passar às memórias de minhas filhas e netos algumas coisas que não esqueci.

Com meu pai, advogado e humanista radical, a melhor pessoa que conheci nestes setenta anos, aprendi que se deve ser humilde com os humildes e altivo com os poderosos, e que a generosidade é um dever moral: quem recebeu mais, tem que dar mais. Dom divino, genética ou classe social não são méritos pessoais, há que compartilhar.

E a regra inesquecível: “ Se alguém cruzar seu caminho e precisar de sua ajuda — tem que ajudar ! Seja quem for, como for, sem muita pergunta. É a Lei. Não foi por acaso que seus caminhos se cruzaram.” Tentei a vida inteira cumprir sua Lei e fui recompensado, porque também fui muito ajudado e tive a sensação de que quanto mais se dá, mais se recebe.

Sempre me lembro do meu querido chefe Evandro Carlos de Andrade me dizendo que você só deve pedir um aumento se estiver disposto a pedir demissão se não recebê-lo. E de meu tio Paulo, que ficou muito rico, que é melhor ficar vermelho cinco minutos do que amarelo o resto da vida.

Do amigo Vinicius de Moraes, entre tantos ensinamentos que vivi e esqueci, sempre me lembro que a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.

Nelson Motta é jornalista

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