Na ‘onda prateada’ que é moda lá fora, mulheres assumem, cada vez mais jovens, os fios brancos

Hoje, cultivar os tons grisalhos virou opção não mais restrita às avós

Por CAMILLA MAIA

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RIO – Um ano e meio atrás, quando a perfumista Maira Jung resolveu deixar os cabelos brancos crescerem e aparecerem, uma amiga a puxou pelo braço e falou sério: “Você ainda não tem rugas para ser grisalha!” Ex-modelo na flor dos 50 anos, Maira lembra o episódio ao encontrar outras quatro cariocas “prateadas” no estúdio do GLOBO. Em tom de cumplicidade, a consultora de arte Liliu Castelo Branco, 54 anos, emenda outra história de reprovação alheia ao visual:

— As senhorinhas do Bairro Peixoto, onde moro, não se conformam com a minha cabeleira. Quando me encontram no salão, fazendo unha, não cansam de perguntar quando vou pintar o cabelo.

A patrulha em Copacabana — meca das velhinhas, dos salões e das velhinhas que não saem dos salões — é intensa, ressalta a professora de inglês Roberta Ferro, 39 anos, cabelos estilosamente bagunçados.

— Andando na rua, já ouvi vários “toques” do tipo: “Vai passar uma tinta nesse cabelo, menina!” — conta, rindo. — Minha mãe também não se conforma. Ela nunca vai deixar de pintar o cabelo, é uma questão cultural da geração dela.

A resistência é grande. Mas, atualmente, cabelo branco não é uma licença poética restrita às avós: cultivar tons de cinza virou opção de muitas mães. Na contramão de quem insiste em afirmar que mechas grisalhas envelhecem, uma turma descolada (e desencanada) assume os fios brancos cada vez mais cedo.

A onda prateada é protagonizada por mulheres de personalidade forte, bem-humoradas e que têm um discurso pautado pela pacífica aceitação da passagem do tempo. O tom panfletário fica por conta dos ferozes críticos, observa o psicanalista Joel Birman, autor do livro “O sujeito na contemporaneidade”:

— A atitude gera agressividade nas mulheres ligadas aos ideais de culto à juventude. Quem expõe os cabelos brancos está denunciando, indiretamente, quem os pinta. E as denunciadas se sentem desmascaradas diante do espelho.

Sem levantar bandeiras, a tribo das grisalhas contesta a teoria popular que prega que “a brasileira não fica velha, fica loira”. Para a antropóloga Mirian Goldenberg, autora da pesquisa “Corpo, envelhecimento e felicidade”, guardadas as proporções, o desfile de cabeleiras imaculadas está para 2013 assim como a exibição do barrigão de oito meses de gravidez de Leila Diniz esteve para 1971.

— As mulheres que adotam o visual grisalho aos 40, 50 anos fazem uma pequena revolução simbólica. Assim como exibir a barriga passou a ser lindo após a aparição de Leila, elas libertam quem não aguenta mais pintar os cabelos só por obrigação. Elas não estão apenas assumindo os fios brancos, mas mostrando uma forma alternativa, mais singular e bonita de envelhecer — afirma Mirian, que no segundo semestre lança o livro “Belas velhas”. — Usar cabelos brancos é uma atitude de vanguarda: elas estão adiantando uma liberdade que normalmente só seria conquistada após os 60 anos.

Liberdade, aliás, é uma palavra que toda hora pinta na conversa entre as mulheres que aboliram a tinta.

— Cabelo branco é uma libertação — sentencia a arquiteta Anna Castello Branco, 50 anos e um senhor topete.

Última a chegar à sessão de fotos, a fisioterapeuta Fátima Amaral, 43 anos, também fala dessa tal liberdade.

— Quando assumi o visual grisalho, tive uma grande sensação de liberdade. Não só por me livrar do salão, onde ia pintar o cabelo de três em três semanas, mas por não ter mais medo de me sentir ridícula por usar roupas alternativas. O cabelo branco dá aval para você ser o que quiser — diz ela, que costuma andar de tênis e ostenta uma tatuagem no ombro. — Comecei a pintar o cabelo aos 27 anos, quando associava fios brancos a perda de vigor. Hoje, os vejo como um recurso que pode ser usado a meu favor. Quanto menos resistimos às transformações, mais temos potência para tirar algo de positivo delas.

Maira completa:

— O tempo passa para todas. Os fios brancos representam vida.

Na Inglaterra, onde tintura não faz a cabeça das mulheres da família real, uma pesquisa apontou que 32% das britânicas apresentam mechas brancas antes de chegar aos 30. No Brasil, não há estudo recente sobre o tema, mas a moda das ruas acompanha a tendência internacional. A despigmentação capilar (que acontece devido à falta de formação de melanina) é associada à herança genética, mas estresse e traumas emocionais também podem ser causadores, explica o dermatologista Valcinir Bedin, presidente da Sociedade Brasileira do Cabelo.

— Em média, as mulheres brancas começam a ter cabelo grisalho entre 35 e 45 anos; amarelas, entre 45 e 55 anos; e negras, após os 55 — diz o médico.

Segundo a psicóloga Maria Tereza Maldonado, membro da Academia Americana de Terapia de Família, a combinação dos números científicos com a maternidade cada vez mais adiada explica o maior número de mães (e futuras mães) na onda prateada:

— São as mães de atitude, que celebram cada etapa da vida sem querer congelar no tempo.

Mãe de Pedro, de 24 anos, Liliu Castelo Branco pode ser enquadrada nesta categoria. Ela não está preocupada se os cabelos brancos a envelhecem:

— Não penso nisso. Eu sei exatamente quantos anos eu tenho.

Liliu resolveu aposentar a tinta em 2009, quando fez 50 anos. Fez o anúncio aos amigos artistas plásticos e todos se opuseram, com exceção de Carlos Vergara, que deu a maior força.

— As mulheres de cabelos brancos podem ser interessantíssimas: há uma coisa natural que puxa um brilho lá de dentro — comenta Vergara.

O estilista Napoleão Lacerda, outro amigo de Liliu, aprovou o visual:

— A natureza é sábia.

Por sua vez, Pedro classifica a decisão da mãe como “normal”.

— Minha mãe sempre assumiu a idade. Quando ela fez 45 anos, comemorou dizendo que poderia sair na ala das baianas da Mangueira. Quando ela deixou o cabelo ficar branco, então, foi normal. Claro que teve uma piada ou outra… Meu pai, por exemplo, depositou dinheiro na conta dela dizendo que era para comprar tinta!

Namorado de Roberta Ferro, o jornalista e apresentador Pedro Bial publicou semana passada uma foto do topete da professora de inglês no Instagram. Na legenda, uma declaração de amor aos fios prateados: “Como são lindos os cabelos de uma mulher sem tinta nos cabelos” — 1.485 seguidores curtiram. Nas primeiras imagens de Roberta ao lado de Bial feitas por paparazzi, a professora ostentava uma cabeleira abóbora.

— Sempre gostei de pintar o cabelo. Da última vez, acabou a minha tinta laranja e, quando me vi com a cabeça branca, adorei: não poderia encontrar uma cor mais original — conta ela, que vive há um ano sem tinta.

As mulheres que querem ser diferentes, afirma Joel Birman, encontraram-se em meio aos tons de cinza:

— Cabelo branco deixou de ser um elemento antissedutor. Esse movimento rompe a hegemonia da ninfeta como padrão de beleza.

Coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP, Carmita Abdo acredita que algumas mulheres podem ficar mais atraentes com os cabelos naturalmente brancos.

— O ser diferente pode revelar uma mulher mais ousada — diz ela.

O que não é atraente, pondera Carmita, é o “arco” de dois dedos que se forma na raiz que não vê uma tinta há tempos. Na fase de deixar os brancos crescerem, fica a dica, vale usar lenços.

— O cabelo branco pode ser usado a favor da mulher desde que ela não seja descuidada em outros aspectos: precisa ter uma alimentação saudável, fazer exercícios, cuidar da pele. A mulher pode se libertar da tinta, mas não se libertar da vaidade — explica. — Essa tendência mostra que a mulher está se permitindo fazer uma nova experiência. Mas não é fácil cuidar dos fios brancos.

Dona de uma cabeleira branca desde os 4 anos de idade, a arquiteta Anna Castello Branco dá uma aula de como cuidar dos fios grisalhos às outras mulheres reunidas no estúdio.

— Uso xampu incolor no dia a dia e, quando os fios ficam amarelados, por causa do sol, passo vinagre branco ou leite. São macetes naturais que não me deixam na mão — conta a arquiteta, que nunca passou um pingo de tinta no cabelo. — Na escola, eu era conhecida pelos meus cabelos brancos. Minhas filhas, de 26 e 29 anos, também já são grisalhas, mas elas pintam.

Para combater a tal aparência amarelada, profissionais de beleza sugerem o uso de xampu com textura violeta, uma vez por semana. Nas prateleiras, há um sem-número de opções nacionais, como Celso Kamura, Acquaflora e Dermatus, e importadas, como L’Oréal, Keune e Lanza.

— Outro produto procurado é o xampu cinza, tipo rinsagem, que além de tirar o amarelado dá uma leve tonalizada — explica Ricardo Monteiro, à frente da Tonicha, loja de produtos para cabeleireiros em Copacabana.

O terapeuta capilar Bruno Barros, do Care, explica que os cabelos brancos precisam de tanto cuidado quanto os loiros, castanhos e pretos, como uma hidratação básica de 15 em 15 dias:

— Os fios brancos ficam mais grossos. E um cabelo mais grosso deve ser mais hidratado, para diminuir o frizz e melhorar o brilho e o movimento.

A onda prateada, que começou a ser inserida aos poucos no cinema, tendo a atriz americana Jamie Lee Curtis como informal garota-propaganda, já se faz notar nos salões cariocas.

— Cortes de médio a curto são os mais indicados para essas mulheres, fazendo um equilíbrio entre a maturidade e a modernidade — ele sugere.

Para quem ainda tem dúvidas se os cabelos grisalhos podem cair bem, ou não, a consultora de imagem Cristiana Pinheiro Guimarães, que ministra o curso Harmonia das Cores, explica que o cinza é um tom neutro:

— Se a mulher tiver a pele mais para rosada, o seu melhor tom de cinza será o de fundo azulado. Se a mulher for mais bronzeada, o melhor tom de cinza será o de fundo amarelado.

Vestidas em modelitos verdes — limão e esmeralda — criados na hora pelo estilista André Niemeyer para as fotos que ilustram estas páginas, as grisalhas Anna e Roberta notaram que a cor realçou o prateado de seus fios.

— Adorei o meu azul. Depois que assumi os brancos, aliás, tenho usado muito azul — completa Liliu.

A descoberta de novos tons para compor o visual de cada dia faz parte da rotina dessa turma, aponta a consultora de imagem:

— Muitas vezes, as mulheres pintam o cabelo com tons que não são adequados, insistem no loiro e, quando o grisalho vem à tona, passam a descobrir uma nova paleta de cores.

Será que o cinza é o novo loiro?

Fonte: Jornal O Globo

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