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Um país que envelhece sem planejar o futuro.

Sem incentivo para mais velhos ficarem no mercado, Brasil vê idade da população avançar. É preciso reinventar profissão para depois da aposentadoria

Marinella Castro –

Publicação: 13/04/2014 06:00 Atualização: 13/04/2014 07:32

O tempo está a galope para o Brasil, incluído entre os países que mais rápido envelhecem ao redor da Terra. Nos próximos 20 anos, os cabelos grisalhos vão crescer sua participação na economia e na pirâmide etária. Apesar da boa notícia de que estamos a caminho dos 80, o país ainda insiste em viver como se não estivesse envelhecendo. Sonha com uma população que fique por mais tempo no mercado de trabalho, que se reinvente para ter, depois dos 60, uma segunda ou terceira profissão, mas não há no país políticas ou uma legislação que incentive o exercício de trabalhar mais, atrasando a resposta para uma pergunta urgente, e que deve ser feita não na porta da aposentadoria, mas perto dos 40 anos: o que vou ser quando me aposentar? Viver de bicos para complementar a renda da aposentadoria, ou me planejar para uma nova carreira? Me planejar como?
Para Jorge Felix, professor do Centro Interdisciplinar de Assistência e Pesquisa em Envelhecimento (Ciape) e pesquisador da PUC/SP, o Brasil, como Estado, ainda não tem a resposta para a pergunta angustiante que já é perseguida por uma população a caminho da terceira idade e que planeja viver muito, chegar –  e ultrapassar – os 90. “Pensar na segunda ou terceira profissão aos 60 anos é tarde demais. É preciso começar planejar aos 40. Esse é um projeto que depende de tempo, educação e investimento financeiro”, afirma Felix. Especialista no envelhecimento populacional, ele criou em 2006 o termo economia da longevidade e defende que se reinventar tem sido tarefa para uma minoria, embora seja uma exigência do capitalismo contemporâneo. “É uma contradição. Não há políticas para incentivar a permanência dos mais velhos no mercado de trabalho, não existe legislação para isso, o que transforma essa propagada reinvenção em um mito, ou realidade de uma minoria.”Na últimas duas décadas, em número, os maiores de 60 anos cresceram 70% entre a População Economicamente Ativa (PEA – que trabalha ou está em busca de uma ocupação). O percentual ultrapassa o crescimento da população mais jovem (25 a 29 anos), que avançou 40% no mesmo período, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A renda da segunda, ou terceira profissão, que começa na terceira idade, é importante para garantir não só custos que crescem, como gastos com medicação e plano de saúde, mas ajuda também a renda familiar, garantindo a independência dos mais velhos e o bem-estar como retorno da ocupação.

Para Felix, a questão conjuntural do aquecimento do mercado de trabalho não deve frear políticas que incentivem as empresas a manterem por mais tempo em seus quadros maiores de 50 anos, como flexibilização de jornada para investimento dos funcionários em educação, requalificação, preparação da pré-aposentadoria e educação financeira. “São medidas urgentes em um país que envelhece e que poderiam contribuir de fato para a reinvenção. Caso contrário, no mundo de precarização do trabalho já começando aos 40 anos, idosos do futuro podem se consolidar como mão de obra vulnerável e de baixo custo.

Quem conseguiu vencer desafios do tempo e da dificuldade financeira, embarcando na maturidade em uma segunda profissão, abriu as portas para um mercado novo e recebe agora em duas moedas, a do prazer e aquela que complementa a renda. Difícil saber qual vale mais. No país, incluído pela Organização das Nações Unidos (ONU) em estágio avançado/acelerado de envelhecimento, viver com qualidade de vida parece ser o próximo desafio. 

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A melhor lição

Martha Pinho

Antes de empregar sete pessoas, se transformar em uma microempresária e fazer sucesso com a fabricação e venda de doces finos e chocolates inovadores, Martha Pinho, vovó de André, Théo e Manuela, 63 anos, foi professora de biologia. O buffet Quebra Nozes veio depois. Foi a profissionalização de uma “doce” memória da infância. “Depois de 28 anos na sala de aula, tenho certeza que fui uma boa professora, ensinei e tive ótimo relacionamento com meus alunos, mas, quando me aposentei, quis fazer uma atividade diferente.” Dona de boa genética, Martha acredita que facilmente chegará aos 100 anos. Ficar sem trabalhar por cinco décadas em momento algum fez parte de seus planos. “Pensei que tinha que fazer alguma coisa. Sou a filha mulher mais velha entre onze irmãos. Os aniversários na minha casa eram uma festa e são para mim ótima lembrança. Desde os 10 anos fazia tortas e enrolava docinhos. É uma paixão.”Martha aposentou-se jovem, aos 50, mas cinco anos antes começou a tecer seu projeto. “Procurei o Mãos de Minas, cresci, procurei o Sebrae, comecei na cozinha da minha casa e hoje tenho o Quebra Nozes.” Ela diz que a empresa é um complemento de sua aposentadoria. “Não fiquei rica fazendo doces, mas ganhei muito em saúde.” Martha explica que evita uma carga horária muito pesada, porque precisa reservar tempo para a nova netinha e a família. “As pessoas costumam dizer que meus doces são lindos e gostosos. Acho que tem a ver com o sentimento. É tão prazeroso para mim, que quando estou trabalhando não penso em nada que seja ruim, só em coisas boas.” E algum dos quatro filhos vai seguir a profissão de Martha? “Minha filha advogada gosta de fazer doces. Quem sabe depois que ela se aposentar?”

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Planejando antes

Viviane Café

Apaixonada pelo tema do envelhecimento populacional, Viviane Café é gerontóloga, especialista em geriatria aplicada a fisioterapia e fisioterapeuta especializada em reabilitação do idoso. Aos 38 anos, ela considera que a reinvenção profissional para a maturidade vai exigir um esforço extra do brasileiro, que vive mais e sentirá a necessidade de ter mais renda no futuro. Além do dinheiro, ela destaca também a ocupação e todos os benefícios sociais e psicológicos da atividade profissional que garantem qualidade de vida na terceira idade, reduzindo gastos com medicamentos e doenças. Viviane lembra que, no Japão, onde a população é a mais longeva, muitas vezes o hobby, incentivado na infância, já é uma preparação para o futuro e se transforma em uma segunda profissão. “Essa é uma visão muito interessante, que poderia ser pensada no Brasil.”Antes de chegar aos 40, Viviane percebeu que sua profissão tem vida curta, devido ao esforço físico que exige. Por isso, ela está em pleno planejamento de sua segunda atividade. “Já sou professora e estou me preparando para o curso de mestrado.” Aos 50 anos, ela calcula que estará em sua segunda profissão e não descarta uma terceira. “Quando mais jovem, não tive uma orientação vocacional, mas percebo que tenho talento artístico e posso desenvolvê-lo. Consigo escolher flores, montar arranjos e fazer decoração que parece feita por profissional. Uma atividade que me dá muito prazer.” Sem medo de errar, a futura professora aponta que gastos financeiros com a sala de aula podem render às pessoas retorno maior que uma poupança tradicional. “Meu maior investimento é na educação. Falta, no país, informação sobre a importância de se investir na formação antes de se chegar à aposentadoria.”

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Escrito nos astros

Nívea Freitas

“Quando escolhe sua segunda profissão, o aposentado deve buscar trabalhar com o que gosta, o que nem sempre é possível na primeira. Pensar não só no retorno financeiro, mas no que pode fazer pelo outro. A segunda profissão também exige preparo e investimento”, considera a astróloga Nívea Freitas. Antes de se aposentar como jornalista, profissão de que sempre gostou muito, Nívea foi impulsionada por sua curiosidade a estudar astrologia. Logo que começou a estudar os astros e o universo, percebeu que a ciência era um caminho para o autoconhecimento. Concluiu que sua trajetória como autodidata precisaria de um fôlego extra. Antes de completar 50 anos, ela, que está com 68 hoje, estudou como complementares à astrologia, cálculo, astronomia, geografia, psicologia, com bom investimento de tempo e também de recursos financeiros. “Boa parte do material era importada. Os professores também eram poucos.”Há 18 anos, Nívea continua sua jornada pelo conhecimento. “Sou apaixonada pela astrologia.” Com clientes em Minas e em outros estados do país, como Rio de Janeiro e São Paulo, ela atende presencialmente, em consultório, e via Skype; alguns, ela já acompanha há 15 anos, com mapa astral anual. “A astrologia é um campo riquíssimo e com inúmeras áreas. Não nos permite parar de estudar, porque ela é mutável. Temos diversos grupos de estudos em Belo Horizonte, e cada fato novo na história é um novo mergulho.” Para Nívea Freitas, sua escolha lhe faz bem porque, além de retorno financeiro, a faz sentir-se útil ao outro. Nívea gosta tanto de sua  segunda profissão que pensa em introduzir a neta de 11 anos à astrologia. Se ela pretende se aposentar outra vez? “Nunca! Jamais vou me aposentar como astróloga. É uma atividade muito envolvente.”

 O Estado de Minas

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